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17 de Março de 2018

Homilia - V Domingo da Quaresma

Leituras: Jr 31, 31-34/ Sl 50, 4. 1314-15/Hb 5, 7-9

Evangelho: Jo 12, 20-33

 

"O êxodo de si mesmo torna a nossa vida útil"

 

          Amados irmãos e irmãs, prosseguindo nossa caminhada quaresmal, precisamos cada vez mais deixar a palavra perscrutar o nosso coração, para orientá-lo ao centro de nossa vida. Isto significa que nós não podemos ser o centro de nós mesmos, isso seria egoísmo. Também as coisas não podem ser o centro da nossa vida, isso nos reduziria a uma vida consumista. Mas quem é o centro da nossa vida? 

          No evangelho de hoje Jesus nos ajuda encontrar este centro, pois o centro é Ele. E para encontrá-Lo precisamos nos colocar num caminho de renúncia, de desapego de si mesmo, para ganhar a vida. Todos nós temos ânsia de viver, e levados por ela corremos o sério risco de esquecer que a vida é um dom que Deus nos deu. E que não pode ser seriamente e retamente vivida sem referência a Ele.

          Quando nos esquecemos disto, achamos que somos os senhores da nossa vida, que somos o centro do mundo. Apegados demasiadamente a si mesmos, às nossas ideias, aos nossos pontos de vista, às nossas coisas, ao meu tempo, meu lazer. Como si isto pudesse perpetuar a nossa vida. Tão preocupados com o eu, que nos fechamos em nós mesmos e esquecemos Daquele que nos deu a vida. E esquecer de Daquele que nos deu a vida é fazer dela uma existência inútil, para si mesmo e para os outros. 

          “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna” (Jo 12, 25). A conversão do coração passa por este desapego da própria vida. Penso que é este apego exagerado à própria vida que tem conduzido à ruína tantas famílias e comunidades. Pois estas são realidades que interpelam a nossa capacidade de comunhão, de renúncia, de partilha. O que não é possível quando estamos apegados demais à nós mesmos.

          Muitas famílias abandonam a comunidade e se isolam, porque querem uma vida descomprometida, fechada no gueto familiar, que é muito mais cômoda. No interior da família, muitos membros se isolam porque também aí não querem comprometer-se. Não podemos ser grãos de trigo de celeiro, que embora sadio e robusto é incapaz de gerar vida. 

          O Senhor nos convida a sermos grãos de trigo lançados na terra, que enfrenta o sol, a chuva, o vento para se abrir a uma vida nova. “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (Jo 12, 24). Sem esta morte, sem este êxodo de si mesmo a nossa vida é inútil. Enquanto que o êxodo de si mesmo torna a nossa vida útil, isto aprendemos na cruz. 

          Este êxodo, que transforma a nossa vida, exige um movimento que supera a curiosidade de somente “querer ver Jesus”. Uma vez que o vimos, que o encontramos, é preciso um movimento sobre si mesmo na forma do desapego que aceita perder aquilo que não é essencial e às vezes até aquilo que é essencial, e um segundo passo que é seguir e servir Jesus para onde Ele nos quiser conduzir: “Se alguém me quer servir, siga-me e onde eu estou estará também o meu servo” (Jo 12, 26). 

          A incapacidade de conviver na família, na comunidade, na sociedade é fruto da falta desta disposição para fazer-se servo com Cristo. Por isso, vivemos num mundo de reis soberbos, orgulhosos que se digladiam entre si. Todos cheios de direitos que preservam os apegos mais banais. Um homem incapaz de fazer-se servo na lógica de Cristo é um homem inútil, no qual reina a tirania absoluta do eu. Eu, eu e eu sou importante, não importa a família, não importa a comunidade, não importa a sociedade. Tudo tem que estar ao meu serviço, pois não posso morrer, não posso servir, não posso renunciar a nada. 

          Por fim, hoje o Senhor nos convida a olhar além do eu, para que a nossa vida não seja inútil. Que este tempo quaresmal nos ajude a fazer um verdadeiro êxodo pessoal, para se abrir ao nós que nos lança na comunhão com Deus e com próximo, na qual encontramos o verdadeiro sentido da vida. E compreendemos o que a torna útil.  

 

Pe. Hélio Cordeiro 

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